13/10/2016

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Educação Infantil: o divisor de águas no ensino

Educação Infantil: o divisor de águas no ensino

“Educação é a arte de acender uma chama, não a de encher um vaso”. A metáfora é de Sócrates, mas mesmo passados 2.400 anos, ela ainda ensina aos professores que não basta transmitir conteúdo. Há uma semana, no dia 6 de outubro, o corpo pedagógico da Escola La Salle RJ saiu do comando da sala, para sentar nas carteiras e aprender essa e outras lições, na aula do Dr. Luis Vicente Ferreira. Formado em Letras, com especialização em neuroeducação, ele ministrou, no Anfiteatro Ir. Hilário, a palestra “A construção do ser integral na contemporaneidade: Reflexão à prática pedagógica de competências e habilidades”. Falando assim o tema parece complicado. O estranhamento durou pouco, até Ferreira explicar, ainda introduzindo sua fala, o significado de cada assunto proposto, a começar pelo “ser integral”.

“É aquele que sabe, tem o cérebro nutrido, é aquele que faz, executa algo com o que aprendeu, é aquele que sabe conviver com o seu semelhante, ele é social, e é um ser humano útil a si e aos outros”, pontuou. E as diversas aprendizagens por trás dessas duas palavras começam ainda no útero materno. Ferreira lembrou que os alimentos ingeridos pela mãe, o que ela bebeu, que música ela escutou, e até se conversou ou não com o bebê são ações com consequências na vida futura da criança. A escolha pelo parto normal, por exemplo, faz com que dois saberes já sejam passados nos primeiros minutos de vida: o movimento, devido à primeira “massagem” recebida durante a saída do bebê, e a defesa, com anticorpos sendo passados da mãe para o filho.

Por essas razões, Ferreira defende que a escola deveria ter acesso a um histórico de todo o período da gestação. Partindo para o âmbito das habilidades e competências, foi a vez de sair da ciência para flertar com o Direito. No artigo 205, a Constituição cita o ensino para o “desenvolvimento pleno da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No cumprimento deste objetivo, o palestrante foi novamente buscar em Sócrates um norte:

“Ele diz que na prática pedagógica, as competências e habilidades devem ser construídas desde a Educação Infantil. Isso significa ensinar à criança que ela precisa ter autonomia, aprender a andar com os próprios pés. O papel do professor não é o de transmissor, e sim o de apontar o caminho para que ela faça a sua descoberta”.

Visão, audição, olfato, tato e paladar. Para Ferreira, os cinco sentidos são o guia neste trajeto. O professor e consultor sênior da editora FTD recorreu à Piaget (1896 – 1980) e seus estímulos durante o encontro. “Cores em quantidade, diferentes notas, timbres, toques diversos, caixinha de aromas para acostumar com odores. Tudo isso são habilidades a serem desenvolvidas na pré-infância”, argumentou, “Cada dia na vida de um bebê ele é capaz de processar 5 milhões de coisas novas”.

Olhando as faixas etárias, bebês de 0 a 3 anos absorvem o mundo. É o exato momento para o estímulo dos cinco sentidos, portanto a base de tudo, e do movimento. De 3 a 5 começa a fase dos porquês, com o nascimento do pensar lógico-matemático. Já aos 5, a criança sabe diferenciar certo e errado, “surge o juízo moral”. Com 6 e 7 anos, passa a existir o querer, onde cada um desenvolve sua personalidade.

NOS DESENHOS, AS PRIMEIRAS PALAVRAS

Que professora de Educação Infantil nunca ouviu a máxima: “Ah, nesta fase criança vai para escola só para desenhar e brincar”? Os que fazem pouco caso dessas duas atividades provavelmente se surpreenderiam com alguns estudos trazidos por Luis Vicente Ferreira no dia 6. Um deles vem dos Estados Unidos. Na década de 1970, Rhoda Kellogg constatou que todas as crianças humanas, independente de sua cultura, produzem 32 tipos de desenhos: o rabisco, as figuras geométricas e uma combinação entre os dois. A pesquisadora também percebeu que esses desenhos tinham um significado a mais para o cérebro.    

Do outro lado da América, por sua vez, a argentina Emilia Ferreiro decidiu rodar a América Latina, para descobrir se as crianças devem ser alfabetizadas aos 7 anos ou ainda na Educação Infantil, com 4, 5 e 6 anos. “Ela concluiu que todas as crianças com as quatro fases dos desenhos tendem a se alfabetizar melhor e mais rapidamente entre 4 e 6 anos, na chamada pré-alfabetização. Quando se começa o processo de alfabetização só aos 7, ela sabe ler e escrever, mas não sabe fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, esclareceu o palestrante, indo até o quadro para mostrar o quanto as vogais, por exemplo, são derivações do círculo.

Após dinâmica na qual as professoras tiveram que colocar para fora o lado criança, exercendo em desenhos a criatividade, Luis Vicente Ferreira ainda deixou como contribuição experiências que vivenciou de perto na Itália, mais especificamente em Reggio Emilia. Na cidade, cerca de 20 escolas modelo oferecem a Educação Infantil considerada a melhor do planeta, projeto criado por Loris Malaguzzi. “Lá não existem salas de aula. É um galpão com cantos de aprendizagem, com uma professora e dois assistentes para 18 crianças. Não há funcionários, os próprios alunos trabalham em conjunto. E a organização do currículo não é como o nosso, eles utilizam esses cantam e eixos temáticos”, revelou.

Funciona assim: ao chegar na escola, a lista de presença é preenchida pelo próprio aluno que roda um grande espelho em cujas bordas há fotografias de todas as crianças. Quando a foto coincide com a imagem refletida, a roleta é liberada, deixando-o entrar. Na hora da refeição, seis alunos de diferentes idades sentam juntos em uma mesma mesa. Os maiores servem os demais. Depois chega o momento do ensino. Na visita de Ferreira o tema era primavera e o subtema borboleta. O animal baseou todo o aprendizado do dia. No cantinho da leitura, as crianças conheceram a transformação da lagarta em borboleta. O espaço seguinte contou com a confecção de borboletas. Mais um canto da sala e lá estavam as crianças contando as histórias de suas borboletas. E ainda haveria o momento da música da borboleta e do teatrinho sobre o voo delas.

Em termos de Brasil ainda são necessárias várias etapas até se chegar nessa metodologia, que entende os pequenos como totais protagonistas. Apesar disso, o professor já comemora um ganho: “Você não vê criança no Brasil na educação infantil, dizendo: ‘Eu odeio a minha escola’, ela diz que está com saudade da tia, dos coleguinhas, porque ela é acolhida logo na entrada. 1/4 da aprendizagem de uma criança tem relação com os vínculos afetivos. Pelo menos nisso, a educação brasileira é show”. 

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